sexta-feira, 2 de maio de 2008

Carta de S.Paulo descodificada

EPÍSTOLA DE S PAULO AOS FILIPENSES

Filipos era uma cidade situada ao norte da Grécia, que Filipe II da Macedónia, pai de Alexandre Magno, agregou ao seu reino, dando-lhe o seu próprio nome. Antes chamava-lhe Krénides (cf. Act 16,2). Paulo chegou a Filipos nos anos 49 ou 50, com Timóteo, Silvano e Lucas. O mesmo Lucas, nos Actos (Act 16, 1-40), faz a narração do facto na primeira pessoa do plural, como um dos intervenientes nele.

Comunidade
Foi em Filipos que começou a evangelização da Europa. Os judeus, sendo poucos, não possuíam aí uma sinagoga, mas apenas um lugar de oração. Lídia, que Paulo baptizou, fazia parte deste grupo. Formou-se aí uma pequena comunidade. sobretudo de origem pagã (Act 16, 11-40; 1Ts 2,2).
Esta comunidade sentia-se particularmente unida a Paulo; dela recebera o Apóstolo dons (4, 15; 2Cor 11, 8-9), não obstante insistir no trabalho gratuito (1Cor 4, 12; 9, 15; 2Cor 11, 7-9; 1 Ts 2,9) Quando soube que ele fora preso, em Éfeso ou em Roma, organizou uma colecta e enviou-lhe Epafrodito para a entregar a Paulo. Epafrodito, porém, caiu doente, o que causou preocupações em Filipos. Paulo, logo que a doença o permitiu, reenviou-os a Filipos, com esta carta (2, 25-30)

Data e local
Esta é, pois, com Cl e Flm, uma das Cartas do Cativeiro. Parece ter sido escrita em Roma (Act 28, 16.30-31); no entanto, poderá ter sido escrita num outro qualquer cativeiro (2Cor 11, 23). O “pretório” de 1,13 não prova que Paulo tenha escrito a Carta em Roma, pois esse termo designava também a residência dos governadores romanos (Mt 27,27). O mesmo se diga da casa de César. O cativeiro pode, pois, ter sido em Éfeso, onde passou dois anos (Act 19, 8-10). Se foi escrita nesta cidade, a Carta seria dos anos 56-57, se foi escrita na prisão de Roma, teria sido nos primeiros meses de 63.

Teologia
Esta Carta não tem um pensamento teológico organizado. No entanto, sobressaem algumas doutrinas: a comunhão fraterna entre a comunidade e o Apóstolo. Apesar de estar preso, Paulo vê nestes acontecimento dramáticos uma fonte de esperança para o anúncio do Evangelho.
Por seu lado, os Filipenses deverão ser fiéis a Cristo perante os falsos mestres, imitando Paulo (3, 2-11). Para exortar os cristãos, o apóstolo cita-lhes um hino de Cristo, servo sofredor (Is 53), mas que Deus fez Senhor de toda a Criação (2, 6-11). Uma característica fundamental desta carta é o tom afectuoso que perpassa todo o texto.


Cap I
1 Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos, com os bispos e diáconos:2 Graça a vós, e paz da parte de Deus nosso Pai e da do Senhor Jesus Cristo. Timóteo estava ao lado de Paulo na fundação da Igreja de Filipos (Act 16, 11-40.11-15). O bispo (episkopos, grego, significa vigilante”) não teria um cargo exactamente como hoje; seria possivelmente uma espécie de presbítero, com a missão de presidir à comunidade (Act 20, 28; 1Tm 3,2-6).A carta aos filipenses é, sobretudo, uma carta dirigida a amigos muito queridos, na qual Paulo manifesta o seu apreço por essa comunidade que o ama, que o ajuda e que se preocupa com ele. Enviando de volta Epafrodito – que estivera gravemente doente – Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os filipenses à fidelidade ao Evangelho.
27 Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ánimo pela fé do evangelho. Levai uma vida de cidadãos. O cristão é cidadão dos céus (Ef 2, 19), cujo Senhor é Jesus Cristo Salvador e cuja constituição é o Evangelho.Pode-se compreender pela fé (por meio da fé) ou (em prol em defesa da fé); por outro lado o Evangelho indica, que seja a mensagem aceite pela fé mas também um princípio de firmeza e de luta.Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à igreja são piores do que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados “cristãos não praticantes” para justificar o facto de não irem à igreja; mas não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à vivência dos valores humanos? Quem contacta as recepções das nossas igrejas, encontra sempre simpatia, compreensão, amabilidade, verdade, coerência?
30 Tendo o mesmo combate que já em mim tendes visto e agora ouvis estar em mim. Por ocasião da sua primeira visita a Filipos, Paulo foi perseguido e lançado na prisão (Act 16, 19-40; 1 Ts 2,2)Apresenta-nos o exemplo de um cristão (Paulo) que abraçou, de forma exemplar, a lógica de Deus. Renunciou aos interesses pessoais e aos esquemas de egoísmo e de comodismo, e colocou no centro da sua existência Cristo, os seus valores, o seu projecto.. O mundo em que vivemos tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário é saber discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do Evangelho…
Cap II
1 Portanto, se há algum conforto em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma comunhão no Espírito, se alguns entranháveis afectos e compaixões,2 Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ánimo, sentindo uma mesma coisa.3 Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo.4 Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. Lista de motivos para viver em comunhão e amor na comunidade cristã (2Cor 10, 1-5).Amor Paulo sabe por experiência que facilmente nascem nas comunidades as rixas e os conflitos. Ele percebe sinais disso em Filipos (1, 27; 2, 14; 4, 2) e por isso exorta os seus correspondentes à unidade e à concórdia.
14 Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas; Reticências. Alusão provável à falta de fé dos hebreus no deserto (cf. 1Cor 10, 10)
15 Para que sejais irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual resplandeceis como astros no mundo; Essas três qualidades da vida cristã no mundo têm uma ressonância escatológica (1, 10; 2, 16). O que segue inspira-se em Dt 32, 5 grego (cf. Mt 12, 36; Act 2, 40) e salienta o contraste entre luz e trevas
Cap III
1 Resta, irmãos meus, que vos regozijeis no Senhor. Não me aborreço de escrever-vos as mesmas coisas, e é segurança para vós. Estas palavras parecem anunciar a saudação final da carta (cf. 4, 1.4.10), mas a frase seguinte introduz um desenvolvimento todo diferente do conteúdo e no tom. Será indício de um recomeço de ditado ou de uma fusão de textos primitivamente independentes?Na realidade o que se segue não foi dito nos capítulos 1 e 2. Paulo pode aludir a outras cartas hoje perdidas, ou simplesmente a ensinamentos orais.
17 Sede também meus imitadores, irmãos, e tende cuidado, segundo o exemplo que tendes em nós, pelos que assim andam. Os filipenses devem imitar o modo como Paulo vive do Cristo e luta por Ele (cf. 4,9); e 1Cor 4, 16
20 Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, Em vez de se deixar captar pelo mundo, o cristão pertence ao Senhor e a sua pátria é o reino de Deus (cf. 1, 27
Cap IV
1 Portanto, meus amados e muito queridos irmãos, minha alegria e coroa, estai assim firmes no Senhor, amados. Paulo, em tom solene, pede aos altivos romanos que constituem a comunidade de Filipos que não se deixem dominar pelo orgulho, pela auto-suficiência, pela vaidade, pela ambição, que só provocam egoísmo e divisão. Recomenda-lhes que vivam unidos, que se amem e que sejam solidários, pois foi isso que Cristo, não só com palavras, mas com a própria vida, ensinou aos seus discípulos.
2 Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo no Senhor. Os nomes dessas duas cristãs em um acordo (Ev-odia, caminho fácil; Siyn-tyche, encontro) e Paulo parece frisar com um sorriso o contraste entre os seus nomes e suas condutas.
3 E peço-te também a ti, meu verdadeiro companheiro, que ajudes essas mulheres que trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida. companheiro Pode ser Syzyos (traduzido aqui por companheiro) seja um nome próprio, cujo valor etimológico Paulo sublinha. Livro da vida imagem bíblica para afirmar a salvação em Deus, como se Ele registasse os que lhe pertencem. (Sl 69, 29; Is 4,3; Lc 10,20; Ap 3,20). A imagem é tradicional no AT e no judaísmo.Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes contemporâneos. De acordo com os critérios que presidem ao nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?
4 Regozijai-vos sempre no Senhor; outra vez digo, regozijai-vos. Apesar de ser uma comunidade viva, piedosa e generosa, a comunidade cristã de Filipos não era uma comunidade perfeita. O desprendimento, a humildade, a simplicidade, não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios romanos que compunham a comunidade.É neste enquadramento que podemos situar estee versículos. Os vers. 1-4, em prosa, contém recomendações concretas de Paulo aos Filipenses acerca dos valores que devem cultivar.